Não foi uma aquisição oportunística, foi um negócio defensivo

Localiza anunciou a aquisição da Hertz por R$ 337 milhões. Analistas aplaudiram a aquisição, alegando que a Localiza pagou barato, mas não é bem assim. O principal valor desta aquisição é estratégico. Não foi um negócio oportunístico, foi defensivo.

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Lojas da Hertz e Unidas no aeroporto
Localiza
Loja de aluguel de carros da Localiza

Na noite de ontem a Localiza anunciou a compra da Hertz no Brasil por R$ 337 milhões. O negócio inclui a transferência de 5.500 carros de aluguel em 42 lojas (16 em aeroportos), e 3.700 do negócio de frotas. Além disso, o acordo prevê o compartilhamento por 20 anos das marcas e do sistema de reservas, de forma a clientes globais da Hertz poderem alugar carros da Localiza no Brasil a partir dos países de origem. Os analistas do mercado aplaudiram o negócio, falando que a Localiza pagou R$ 36.600 por carro enquanto vale R$ 65.500 no mercado, ou seja, pagou barato. Não é bem assim…

Na divisão de aluguel de carros, analistas dizem que a Localiza teria sinergias entre lojas dela e da Hertz situadas na mesma região, afirmação que não consigo concordar. Em geral as lojas estão situadas em clusters dentro e fora dos aeroportos, com pelo menos 4 concorrentes: Localiza, Unidas, Hertz e Movida.

Lojas da Hertz e Unidas no aeroporto
Lojas da Hertz e Unidas no aeroporto

A proximidade entre as lojas resulta em concorrência acirrada, e redução de 4 para 3 competidores, por teoria do jogos, não altera a situação concorrencial. Assim, para não canibalizar suas próprias vendas, provavelmente a Localiza fechará a maioria das lojas Hertz e adequará a frota ao aumento de demanda, vendendo a parte dos 5.500 carros adquiridos. Como o valor médio da frota de aluguel da Localiza é R$ 34.000, considerando que as frotas são similares e os R$ 36.600 por carro pagos na transação, esta operação deve causar um pequeno prejuízo à Localiza.

Outro ponto importante do acordo, tido com grande oportunidade, é o franqueamento da marca Localiza à Hertz, que poderá reservar carros para os seus clientes diretamente no país de origem. Este acordo é similar ao celebrado entre a Unidas e Enterprise em 2012, que trouxe pífios resultados. Em 2014, na última conversa com a Unidas, o fluxo da Enterprise representava menos de 5% do total, e como pagavam um fee por ele, o resultado líquido para a empresa era insignificante. Por essa experiência, e tendo em vista que Hertz e Enterprise possuem presença internacional semelhante, o franqueamento da marca Localiza à Hertz também não deve trazer resultados expressivos.

Por último resta a operação de aluguel de frotas, única parte da transação que traz um ganho imediato à Localiza, uma vez que os contratos e carros são incorporados pela empresa, que passa a se apropriar da receita imediatamente. Considerando que o segundo maior frotista do país, a Locamérica, negocia no mercado a R$ 34.100 por carro, e achamos um dos papéis mais baratos da bolsa, a aquisição da Localiza a R$ 36.600 por carro parece um bom negócio. Ainda assim, os 3.700 carros adquiridos trarão apenas um pequeno incremento aos números da empresa, que tem 136 mil carros no total, ou 33 mil carros apenas no negócio de frota.

Qual é o racional de fazer essa aquisição nesse momento, ao invés de continuar crescendo organicamente?

No último mês as duas maiores concorrentes no aluguel de carros, a Movida e a Unidas, anunciaram planos de IPO (emissão de ações). A intenção das companhias é levantar recursos no mercado para reduzir o endividamento e abrir espaço para expandirem as frotas, aumentando a concorrência para a Localiza. Quanto mais caro a Movida e Unidas conseguirem vender suas ações, maior poder de fogo terão. Por isso interessa à Localiza atrapalhar as ofertas dentro do possível, e uma forma de fazê-lo é mostrar ao mercado que uma empresa similar pode ser adquirida por um valor menor, como na transação com a Hertz

Mais importante do que isso, no entanto, foi impedir que a Movida fizesse o acordo com a Hertz. Depois de 4 anos apenas compartilhando as marcas, no final de 2016 a Enterprise adquiriu uma fatia de 30% do capital da Unidas, comprando as participações dos fundos de Private Equity. Com o peso-pesado como acionista, a Unidas tornou-se grande ameaça potencial para a Localiza, com folego para fazer uma guerra de preços visando roubar participação de mercado. Antes que a Hertz fizesse um acordo semelhante com a Movida, a Localiza fechou este acordo de 20 anos, o que bloqueia esta possibilidade.

Assim, apesar de a aquisição não trazer vantagens financeiras significativas, ela tem grande importância estratégica para a Localiza, cujo objetivo é manter a liderança do mercado. Não foi uma aquisição oportunística, foi um negócio defensivo.