A Semana Macro (09/03) – Coronavírus e os Cortes de Juros

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Com a aceleração da epidemia de coronavírus, vimos na semana as primeiras respostas na política econômica. Por ora, estas se restringiram a cortes de juros, com destaque para uma redução emergencial nos EUA. No Brasil, o BC caminhou na mesma direção ao sugerir que o efeito econômico da epidemia seria predominantemente desinflacionário. No entanto, a julgar pela forte depreciação do Real e a inclinação da curva de juros, não parece claro que há muito espaço para queda da Selic. Nos indicadores econômicos, o PIB e outros dados sugerem que a economia estaria crescendo a um ritmo de aproximadamente 2%. Quanto crescerá depois do coronavírus, ainda não sabemos, mas certamente deveremos ver cortes nas previsões de crescimento nas próximas semanas.

O coronavírus seguiu avançando fora da China… Até a noite de domingo, não havia nenhum indício de desaceleração da epidemia em nível global. O número de casos seguiu crescendo em progressão geométrica, atingindo mais de 25 mil pessoas fora da China. Além dos já conhecidos focos (Itália, Irã e Coréia do Sul), o número de casos cresceu consideravelmente em outros países da Europa e em muitas regiões dos EUA. Na Itália, mais de 17 milhões de pessoas já estão em quarentena.

Gráfico 1: Número de casos de covid-19 fora da China (milhares)

Fonte: Johns Hopkins CSSE e Versa Asset

… e o Fed tomou a dianteira no corte de juros. Em uma reunião convocada extraordinariamente, na última terça-feira, o banco central americano (Fed) reduziu a taxa básica de juros em 0.50 p.p para o intervalo de 1.0-1.25% a.a. A ideia seria de que cortes de juros ajudariam a evitar problemas de liquidez no sistema financeiro e nas empresas conforme a epidemia avance. Ou seja, este seria um corte “preventivo”. A reação do mercado não foi positiva no entanto. Ao agir inesperadamente apenas duas semanas antes de uma reunião ordinária, o movimento soou como um alarme da gravidade do problema.  Esta foi a primeira medida de estímulo tomada em resposta ao coronavírus, e certamente não será a última. Para os juros, a curva americana já precifica que as taxas cheguem perto de 0% nos próximos meses. 

No Brasil, o Bacen  também deu seus pulos… Chamou atenção o breve comunicado do Bacen no mesmo dia, interpretado naquele momento como uma senha para mais cortes da Selic. Segundo o texto, os impactos do vírus na economia mundial e brasileira pareciam ser até o momento majoritariamente desinflacionários, se sobrepondo a possíveis impactos na taxa de câmbio e nos prêmios de risco (inflacionários). Neste sentido, a curva de juros passou a precificar algo como 0.50 p.p em cortes esse ano, com alguns economistas chegando a apostar que a Selic pudesse chegar a 3% nos próximos meses. Quem diria.

…mas talvez precise voltar atrás. Da última terça-feira em diante, os prêmios de risco no Brasil seguiram em alta, o que pode colocar em dúvida novos cortes da Selic. De fato, desde o comunicado a taxa de câmbio chegou a saltar 16 cents para R$ 4.66 e a curva de juros aprofundou sua inclinação. O Bacen inclusive interviu no câmbio para conter esse movimento. Na atual conjuntura, é difícil dizer quanto desta piora reflete precisamente o comunicado do Bacen ou apenas a volatilidade do coronavírus. Na primeira hipótese, uma Selic abaixo de 4% poderia ser incompatível com os fundamentos do país nesse momento.  O noticiário político também não tem ajudado, ao salientar o desalinhamento entre congresso e executivo, colocando um ponto de interrogação sobre o futuro das reformas. 

Gráfico 2: Variação (%) das moedas emergentes na semana

Fonte: Bloomberg e Versa Asset

Dito isto, e segundo a própria comunicação do BC, vemos a taxa de câmbio como principal variável a ser acompanhada nos próximos dias. Por exemplo, se novas intervenções forem necessárias para manter o Real em seu atual valor, uma redução da Selic neste momento soaria contraditória do ponto de vista de política monetária, colocando ainda mais pressão nos prêmios de risco. O corte seria, portanto, improdutivo no objetivo de estimular a atividade. Se a taxa de câmbio seguir bem comportada, acreditamos que um corte de 0.25 p.p seja o movimento mais provável e prudente na reunião do dia 18 de março.

Indicadores econômicos

A economia americana seguia forte até fevereiro. A julgar pelos dados de atividade econômica divulgados na semana, o impacto do coronavírus nos EUA foi bastante tímido até fevereiro. Neste sentido, destacamos a forte criação de empregos no mês: 273 mil vagas ante expectativas em torno de 175mil. Vale notar que tamanha robustez no mercado de trabalho não tem se traduzido em pressões nos salários: o salário médio por hora trabalhada seguiu crescendo apenas 3.0% em doze meses. Os dados dos ISMs da indústria e de serviços também seguiram apontando expansão da atividade.

Gráfico 3: Criação líquida de empregos nos EUA

Fonte: BLS e Versa Asset

 No Brasil, o PIBinho. A divulgação do PIB na semana ensejou discussões sobre a suposta fraqueza da atual recuperação econômica. Afinal, o crescimento de 1.1% no ano foi inclusive menor que os 1.3% de 2017 e 2018. Algumas considerações merecem ser feitas neste sentido. A primeira é de que o crescimento do PIB “na ponta” tem indicado um cenário um pouco mais animador do que os dados do ano cheio podem sugerir. Na 2º metade do ano, o PIB cresceu a um ritmo próximo de 0.5% ao trimestre (ou seja, 2% em termos anualizados) puxado especialmente pelo consumo, e provavelmente seguiria neste passo no 1º tri não fosse o coronavírus. Crescer 2% este ano não parecia muito difícil até algumas semanas atrás.

Gráfico 4: PIB no Brasil

Fonte: IBGE e Versa Asset

A segunda consideração é de que se algo nos decepcionou no resultado do PIB, foram os investimentos. A formação bruta de capital fixo no 4º trimestre voltou a cair, -3.3% ante o 3º tri. Olhando em perspectiva (gráfico abaixo), a dinâmica dos investimentos tem sido a parte mais desanimadora do atual ciclo de recuperação. Há várias explicações possíveis para esse fenômeno, passando pela redução dos investimentos públicos em um contexto de aperto fiscal, desorganização do setor de construção pesada pela operação lava-jato, capacidade ociosa ainda alta, além de incertezas em um ambiente politicamente conturbado. Todas parecem fazer algum sentido em retrospecto, mas o fato é de que a maioria dos países tem mostrado quedas em suas taxas de investimento nos últimos anos, com uma série de hipóteses sendo levantadas neste respeito.  

Gráfico 5: Componentes do PIB trimestral (índice sa, 2013=100)

Fonte: IBGE e Versa Asset