Gamestop: o fim do livro vendido à descoberto

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No último comitê de investimentos, os sócios da Versa decidiram encerrar o livro de ações vendidas a descoberto. Os fundos da casa não vendem mais papéis específicos, e continuam a fazer alavancagem long & short vendendo apenas índices de ações. Com esta decisão consolidamos o movimento iniciado há mais de um ano quando trocamos metade da exposição vendida à descoberto por Bova11.

Desde 2015 a carteira vendida a descoberto teve desempenho 30% inferior ao Ibovespa, agregando valor para o fundo. O resultado atingiu o seu pico em 2018 e desde então trouxe prejuízos. Apesar do resultado acumulado continuar positivo, não dá para concluir que somos consistentes na venda a descoberto. Estudamos alternativas para minimizar o fator de estilo momentum, fonte de prejuízo muito presente na carteira, mas concluímos que pela nossa filosofia de investimentos, a venda a descoberto é uma briga que preferimos não lutar.

Retorno em excesso da carteira vendida à descoberto em relação ao índice Bovespa

Diz-se que as vendas a descoberto são operações com ganho limitado e perda ilimitada já que a maior queda possível de uma ação é 100%, e a maior alta é infinita. Do outro lado, a compra tem perda limitada e ganho ilimitado. O ditado está correto se não houver rebalanceamentos da posição ao longo do tempo. Quando a ação cai o % do patrimônio comprado ou vendido nela também cai, a posição diminui. Quando a ação sobe, a posição aumenta. Se o investidor compra mais cada vez que a ação cai para recompor o percentual do patrimônio investido, o investimento passa a ter perda infinita. Da mesma forma, se o investidor vendido a descoberto vende mais quando a ação cai de forma a manter constante o % do patrimônio vendido, a venda a descoberto passa a ter ganho ilimitado. Comprar uma ação a um preço mais baixo é fácil. O problema é vender mais barato uma ação que caiu, e pagar mais caro para reduzir a venda a descoberto em uma ação que subiu.

Nossa filosofia de investimento se baseia na busca por distorções entre o preço e o valor de uma companhia. O mercado é soberano na definição de preços, mas através da análise do balanço e de projeções sobre o negócio e o mercado, encontramos razões para investir e calculamos a margem de segurança do investimento. Quando uma ação cai sem mudanças nas razões para investir, a margem de segurança aumenta e a posição diminui. Comprar mais ações para recompor o investimento é, portanto, uma decisão racional.

Faz parte da gestão, ainda, o equilíbrio entre os investimentos da carteira. Usamos uma escala de tamanhos para nossos investimentos (P, M ou G) de acordo com os vetores de geração de valor e a margem de segurança. Um investimento costuma migrar de pequeno para médio, e depois para grande conforme o tempo passa, as razões para investir vão ficando mais claras, e a margem de segurança aumenta. Essa forma de investir funciona precariamente para as vendas a descoberto.

Buscamos negócios sem margem de segurança e com projeções negativas para vender a descoberto. Quando um papel vendido sobe a margem de segurança, inexistente, se mantém. Diferente de uma ação barata, é impossível tangibilizar a margem de segurança negativa de um papel. Não à toa, o valor que excede o patrimônio líquido de uma empresa é chamado intangível pela contabilidade. Ainda, vende-se a descoberto esperando que o papel caia até a margem de segurança aparecer. Por isso, com a nossa filosofia de investimento, é irracional vender mais barato um papel que caiu e a margem de segurança aumentou. Da mesma forma é irracional comprar uma ação cara, com margem de segurança inexistente, que subiu.

Assim, para investidores fundamentalistas como nós, as vendas a descoberto acabam se tornando posições desfavoravelmente assimétricas. Geralmente as posições trafegavam de pequena para média e grande conforme o papel sobe, nos deixando sobremaneira expostos à descontinuidades. 

Ativos financeiros estão sujeitos a descontinuidades como no Joesley-day ou na crise do coronavírus. Estatisticamente falando, descontinuidades são as caudas longas das distribuições de probabilidade, ou seja, retornos mais fortes e frequentes do que a distribuição Normal prevê. Nesta pandemia, por exemplo, algumas ações perderam até 70% do valor enquanto o Ibovespa caiu 45%. Na recuperação, simetricamente, o índice valorizou 100% das mínimas para terminar o ano próximo à estabilidade enquanto algumas ações subiram mais de 300%. Eventos recentes como a alta da Gamestop, que multiplicou por 22 vezes em apenas 11 pregões, aumentam o desconforto em relação às vendas a descoberto. Enquanto a falência de uma investida causaria um bom prejuízo ao fundo, a venda a descoberto em uma Gamestop poderia levar o fundo à falência. Apesar de sempre tomarmos o cuidado de não vender a descoberto ações com baixo valor de mercado, como a Gamestop, a única forma de garantir que o fundo não fique exposto às descontinuidades é montar uma carteira diluída, repleta de posições pequenas. Investimentos pequenos exigem a mesma atenção de investimentos grandes mas o resultado pouco influencia o fundo. São ineficientes.

Juntando as dificuldades relacionadas à nossa filosofia de investimentos com o risco de descontinuidades, decidimos encerrar a venda a descoberto em papéis específicos e substituí-la por índices de ações. Os índices são carteiras diversificadas. Alguns como o Ibovespa, pela metodologia e composição, sofrem movimentos menos abruptos, principalmente nas altas. Enquanto as ações dobram em poucos meses, os índices costumam levar muitos anos para isso.

A mudança é mais profunda que o fim de uma carteira de investimentos. O fim das vendas a descoberto implica na restrição do pensamento dos co-gestores do Versa. Antes podíamos comprar ou vender uma ação. Agora podemos apenas comprar ou continuar indiferentes. Esperamos que a mudança nos permita enxergar novos investimentos que outrora seriam ignorados ou classificados, por simetria, como uma venda a descoberto. Com isso abandonamos a busca por gerar alfa na carteira vendida a descoberto, e os fundos passaram a ser rentabilizados exclusivamente pelo alfa da carteira comprada e pela alocação direcional, livros nos quais historicamente tivemos os melhores resultados.