Moneyball – O value investor que revolucionou o baseball americano

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Aqui na Versa todos gostam de algum tipo de esporte. Formula 1, NFL, NBA, surf, tênis, futebol, o time sempre acompanha e comenta a emoção esportiva do momento. Temos até uma alma solitária (a minha) que gosta daquele esporte confuso que quase nenhum brasileiro entende: baseball. Antes que você fuja desse texto, eu prometo que ele é tanto sobre investimentos quanto baseball. Sendo mais específico, é sobre a forma de investir que está no DNA da Versa: value investing. Eu explico.

Me interessei por baseball pela primeira vez em 2004, quando o Boston Red Sox bateu o St. Louis Cardinals para levar o troféu do World Series após uma “seca” de 86 anos sem conquistar o principal título do campeonato americano de baseball. Eu morava em Boston na época, e fui cativado pela emoção de uma vitória histórica para a cidade. Me tornei então um fã dos Red Sox e tratei de entender como funcionava esse esporte diferente.

Entender as regras do baseball exige um pouco de paciência. Diferentemente do futebol ou basquete, por exemplo, a dinâmica do baseball é complexa. E já sei o que você está pensando: o jogo é chato! É chato porque é longo, lento e cheio de nuances. O primeiro passo para compreensão do jogo é decorar as regras e assistir alguns jogos até que consiga acompanhar o que está acontecendo sem ficar totalmente perdido. Esse eu diria que é o “first level” do entendimento do jogo. É o entendimento que eu tive por quase 20 anos.

Existe também um nível de entendimento mais profundo. Esse eu comecei a descobrir no final do ano passado, quando li o livro Moneyball de Michael Lewis (quem sabe você tenha visto o filme). O livro conta a história incrível do então técnico dos Oakland Athletics, Billy Beane. Billy foi um dos primeiros técnicos de baseball a usar ostensivamente as ferramentas da estatística para melhorar os resultados do seu time. Sua tese principal era que no jogo de baseball, que até então era tocado por gestores que em geral tomavam decisões mal informadas, havia oportunidades a serem exploradas para reduzir os gastos de um time e melhorar seu desempenho. De forma objetiva, Billy enxergou os ~160 jogos de uma temporada de baseball como uma grande simulação de probabilidade em vida real. Com a ajuda de um estatístico de Harvard, ele passou a ignorar as recomendações da velha guarda do baseball que compunha seu time de operações e passou a fazer o que os números mandavam.

Não foi um processo fácil. Essa velha guarda que cercava Billy Beane no seu próprio clube e na liga afora era resistente às ideias dele. Billy preferia um jogador excêntrico, gordo, baixinho, barato e cujas estatísticas complementavam seu time em detrimento de um jogador alto, forte, veloz e com números fracos ou incompatíveis com as necessidades do time. Billy conseguiu ver nos números o que a velha guarda se recusava enxergar: no baseball, o melhor jogador nem sempre tem biotipo de atleta. Na zaga, o melhor lançador (pitcher) não é necessariamente o que lança a bola a 100 milhas por hora de velocidade, e sim o que é mais enganoso. No ataque, o melhor rebatedor (batter) não necessariamente é o que mais rebate a bola para fora do campo, e sim o mais parcimonioso (com o menor desperdício de swings). Estatisticamente, os times com lançadores enganosos e rebatedores parcimoniosos ganhavam mais jogos.

Esse discernimento trouxe uma grande oportunidade para o Oakland A’s, um time cujos novos acionistas na segunda metade da década de 90 tinham um dos menores orçamentos para compra de jogadores e salários da liga americana de baseball. Felizmente, os jogadores que Billy Beane passou a procurar com sua nova estratégia eram sistematicamente rejeitados pelos grandes tomadores de decisão do baseball americano. Consequentemente, eles eram subavaliados. A velha guarda do baseball, um esporte que à época já existia há 100 anos, ainda estava no entendimento “first level” do jogo. Apesar da resistência, Billy conseguiu tocar o time do seu jeito, comprando jogadores bons e baratos e vendendo jogadores ruins e/ou caros, conforme os números mandavam. Os jogadores do time de Oakland passaram a ser vistos como ações em um portfólio que busca maximizar resultados e minimizar custos.

Os resultados começaram a aparecer na temporada de 2000, ano em que os Oakland A’s foram número 6 na liga em saldo de jogos ganhos, mesmo sendo número 25 no ranking de orçamento de salários da liga (de um total de 30 times). Foi o primeiro ano desde 1992 em que Oakland avançou para os playoffs. No próximo ano, Oakland caiu no ranking de salários da liga, para número 29 (penúltimo!), mas subiu no ranking de saldo de jogos ganhos para número 2. Em 2002, foi número 28 no ranking de salários e número 2 novamente no ranking de saldo de jogos ganhos. A estratégia de Billy tinha funcionado.

A única coisa que faltou foi vencer o prêmio máximo do campeonato. O motivo também é explicado pela estatística, quando consideramos que a formatação dos playoffs de baseball é diferente da temporada regular. Na temporada regular são muitos jogos, o que faz o resultado real se aproximar da probabilidade esperada pelos modelos estatísticos. Nos playoffs, cada fase tem só 7 jogos (parece muito, mas não é). Um exemplo esdrúxulo: ao jogar uma moeda pra cima 160 vezes, ela provavelmente vai cair em cara metade das vezes e coroa metade das vezes. Mas se você jogar a moeda só 7 vezes, não seria impossível o resultado final ser algo bem diferente de 50/50. Na formatação dos playoffs do baseball, o pior time da liga vence o melhor time da liga ~15% das vezes. É questão de sorte (ou azar, como preferir). Nas palavras de Billy Beane “my shit doesn’t work in the playoffs”. Não rendeu o World Series, mas a estratégia de otimização de baixos salários para grandes resultados do Billy Beane foi um sucesso indiscutível. E não é exagero dizer que isso revolucionou o baseball.

Ainda em 2002, o próprio Red Sox tentou contratar Billy Beane para executar a mesma estratégia em Boston. Havia 84 anos que o Red Sox, mesmo sendo um dos maiores times do país (número 7 no ranking de salários no ano 2000), não ganhava o World Series. A diretoria do Red Sox pensou: a estratégia “Moneyball” de Billy faria a diferença. Billy negou a oportunidade, mas o time seguiu na tentativa de implementar a estratégia em um time grande. Pode até ter sido sorte (como explicado acima), mas o Red Sox ganhou o World Series dois anos depois. Sorte ou não, tanto Red Sox quanto outros times da liga desde então, adotaram em cheio os princípios de Moneyball. Adotaram tanto, que toda a dinâmica do jogo hoje em dia mudou. Com muitos times escolhendo jogadores no estilo Billy Beane de escolher, seus preços subiram. Com muitos times treinando seus lançadores a serem mais enganosos, o número de bolas rebatidas que criam jogadas reduziu. Com muitos times treinando seus rebatedores a serem mais parcimoniosos, o número “walks” (quando um jogador avança para uma base sem fazer contato com a bola) aumentou. O jogo ficou mais chato, mais lento, mais longo e mais previsível. Vinte anos depois que a estatística trouxe sucesso aos Oakland A’s, há quem diga que a estatística estragou o baseball de vez. No linguajar dos investimentos, a estatística eliminou as “ineficiências de mercado” do baseball, reduzindo as possibilidades de resultados inesperados, surpresas e suspense que muitos fãs (os que entendem) buscam no esporte. Para o bem ou para o mal, Billy Beane mudou o jogo para sempre.

Legal, mas o que isso tem a ver com Value Investing?

Quem conhece a Versa há algum tempo, sabe que nossa “escola” de investimentos é a escola Valor (ou Value Investing em inglês). O princípio básico da escola Valor é que o investidor não deve nunca pagar caro para comprar um negócio, por melhor que esse negócio seja. O value investor compra bons negócios disponíveis a preços atraentes na bolsa. Por exemplo: se a taxa Selic é 10,75% (como hoje) e o investidor encontra uma boa empresa, com alto retorno sobre capital investido, mas cujo fluxo de caixa anual representa somente 2% do seu valor em bolsa, a escola Valor diz que ele não deve comprar a ação, a não ser que a empresa ofereça um enorme potencial de crescimento. Outro exemplo: se o investidor encontra uma empresa com um mega crescimento de receita, mas que atua em um negócio com poucas barreiras de entrada, forte competição e prejuízos recorrentes, a escola Valor diz que ele não deve comprar a ação a não ser que haja um motivo crível para os prejuízos reverterem para lucros no futuro.

Não é fácil ser um value investor. Empresas boas e baratas são difíceis de encontrar. Quando encontramos, geralmente existe algum pepino na tese de investimento mantendo outros investidores longe e permitindo que a empresa tenha um valuation barato. O bom value investor precisa encontrar na sua análise da empresa a convicção que ninguém mais vê, fazendo dele também um investidor “contrarian”. Contrarian significa “do contra”. É estar sozinho na sua convicção sobre uma empresa. No caso do Billy Beane, era estar sozinho na convicção de que tal jogador que ninguém gostava valia mais que seu preço no mercado, e vice-versa. Sua fortaleza era seu arcabouço de avaliação: fazer o que os números mandam, enquanto os outros faziam o que seus vieses sobre o esporte diziam. Billy sabia que seu método era mais razoável, portanto manteve convicção mesmo sendo atacado pelos seus parceiros na organização, pela mídia, pelos fãs do seu time.

A gente se identifica bastante com Billy e seus Oakland A’s. Como investidores, temos o mesmo desafio que Billy: encontrar ativos bons e baratos. Se são baratos, é porque o mercado os rejeita. Nosso trabalho é achar o erro de raciocínio do mercado e nos posicionar de forma contrária. Temos que fazer isso enquanto tudo ao nosso redor diz para não fazer. Temos que fazer isso quando mesmo nosso próprio emocional diz para não fazer, como nos dias que uma ação cai -10% e a gente se questiona se nossa análise está mesmo certa. Em dias como esse, eu lembro do Billy, que contratou o Chad Bradford, um lançador com um dos lances mais lentos da liga e que lançava a bola de baixo pra cima (contrário do tradicional), quase raspando a mão no chão com cada lance. Antes de Billy, só um time teve interesse no Chad (Chicago White Sox). Depois de 3 anos de sucesso nos Oakland A’s, Chad foi comprado por, adivinhem, os Boston Red Sox.

Aqui na Versa, temos vários casos (atuais e antigos) de empresas em que investimos de forma contrarian. Nossas “Chad Bradfords”:

Locamerica: quando ela valia menos que sua frota de veículos e o mercado só tinha olhos para a Localiza.

BR Properties: enquanto todos duvidavam (e duvidam) da utilidade de escritórios corporativos.

Marisa: uma empresa com histórico difícil mas com boas iniciativas internas de melhorias.

Vale: após o evento Brumadinho.

General Motors: uma empresa que faliu e que por anos parecia não entender a necessidade de migrar para carros elétricos.

Vittia: uma empresa fantástica que custou convencer investidores a apoiarem sua abertura de capital na bolsa.

Ternium: uma empresa de estrutura corporativa complexa, mas cujo retorno sobre capital investido é um dos maiores entre as siderúrgicas nas Américas.

SLC e Terra Santa: investimos nelas no meio da gripe suína africana, um problema (para demanda por soja) que o mercado imaginava que demoraria 10 anos para se resolver, mas que nossas contas indicavam poder ser resolvido muito antes, como foi.

Todos esses investimentos nos obrigaram a encontrar convicção onde ninguém encontrava. A gente acredita que essa é a única forma de ter sucesso no mundo dos investimentos. O motivo é simples: o que todos acreditam já está no preço, pois o mercado é muito eficiente em precificar o consenso. Se quisermos extrair um naco da bolsa de valores, precisamos remar contra a maré. Claro, precisamos fazer isso com parcimônia, controle de risco e fundamento analítico. Mas precisamos sim buscar convicção onde ninguém busca. Histórias como a do Billy Beane nos inspiram a continuar a trajetória, mesmo quando há pressão de todos os lados para não o fazer.

Agradecemos a confiança depositada.

Equipe Versa

Disclaimer: As opiniões, análises e informações contidas nesse artigo não constituem recomendação de investimento, nem tampouco material de oferta para subscrição, compra ou venda de títulos ou valores mobiliários, instrumentos financeiros, cotas em fundos de investimento ou qualquer produto ou serviço de investimentos. Declarações contidas neste artigo relativas às perspectivas dos negócios, projeções de resultados operacionais e financeiros, bem como referências ao potencial de crescimento das companhias citadas, constituem meras previsões, baseadas nas expectativas do analista responsável em relação ao futuro. Essas expectativas são altamente dependentes de fatores incertos, como o comportamento do mercado, da situação econômica do Brasil, da indústria e dos mercados internacionais. Portanto, cada declaração aqui escrita está sujeita a mudanças, e não deve ser utilizada como insumo para qualquer estratégia de investimento pessoal ou institucional. A Versa Gestora de Recursos Ltda., seus sócios e colaboradores, por meio dos fundos de investimentos da casa, podem ou não estarem posicionados em títulos e valores mobiliários de emissores aqui mencionados, de forma que eventualmente influencie nas opiniões e análises aqui presentes.